Parece mais defensável adaptar a legislação, se necessário, para dar suporte ao pleito do que pura e simplesmente passá-lo para outro ano desde já
Eleição municipal está prevista para outubro Jorge Saenz/AP/VEJA |
A despeito das considerações acima, entendo, sim, que as eleições do corrente ano devam ser realizadas, quando muito, com adiamento de semanas e que as autoridades eleitas sejam empossadas como reza a Constituição em 1° de janeiro próximo. Parece mais defensável adaptar a legislação, se necessário, para dar suporte ao pleito do que pura e simplesmente passá-lo para outro ano desde já. Embora eu não seja dogmático no assunto, defendo que a realização do processo eleitoral se inscreve entre as questões públicas de primeira grandeza, e, especialmente no momento que atravessamos, é mais do que imperioso que os cidadãos tenham a possibilidade de exercer seu direito julgando nas urnas a própria conduta das autoridades municipais para lidar com este drama que ora nos atinge. Mesmo que no momento a expectativa de liderança de várias ações possa estar sobre os ombros do governo federal e governos estaduais, são os governos municipais pela sua quantidade e consequente capilaridade que se encontram mais próximos da população. É possível, portanto, que a depender do município, os eleitores julgarão não só o desempenho de seu prefeito e vereadores frente a este grande desafio (além dos demais problemas locais que os afetam) como também de seus governos estadual e federal.
Medidas para assegurar a realização das eleições podem ser tomadas se nossas autoridades tiverem lucidez e rapidez examinando cuidadosamente a Constituição e legislação eleitoral e partidária. Caso continue necessário evitar aglomerações por ainda muito tempo, as convenções partidárias que escolherão os candidatos poderão ser realizadas em mais de um dia e mais de um local. Que a Justiça Eleitoral não aplique multas aos eleitores que se abstenham no dia das eleições, mesmo sem apresentar justificativa (ou ao menos a idosos a partir de 60 anos). E caso a situação dos recursos seja a variável decisiva na argumentação dos que pleiteiam a postergação, que se assegurem as eleições nos municípios com mais de 200 mil eleitores (ou seja, 94 municípios com 38,6% do eleitorado nacional) nos quais a regra prevê dois turnos (artigos 29, inciso II e artigo 77) por ser nestes que vive a maior parte da população brasileira e nos quais a opinião pública tem mais rapidez de reação às ações dos governantes. Ademais, é bem possível que a situação reduza o número de candidatos por partido, especialmente para a Câmara Municipal, e até mesmo o total de partidos, diminuindo a fragmentação que é parcialmente responsável pela pouca atenção dos eleitores nas eleições legislativas.
Em um ano em que já se pregou fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal apelando para decretação de atos institucionais, a proposta de adiamento de eleição pode prosperar de forma irrefletida porque, além da situação objetiva provocada pela pandemia, algumas regras vigentes tornam o processo eleitoral pouco atraente e racional para os eleitores. É no plano municipal que se poderia ousar mais em relação às mudanças quanto à qualidade da representação popular. Aproveito para formular algumas sugestões em nível municipal, mesmo não sendo viáveis para o presente ano: introdução do voto distrital nas eleições municipais; desobrigação de que os candidatos tenham de estar inscritos em partidos políticos e introdução do voto facultativo, pois não é em si a obrigatoriedade de votar que assegura interesse e compromisso moral em comparecer às urnas. Adiciono, também, duas propostas não eleitorais, e mais de fundo, a envolver estes entes locais: 1) extinguir a obrigatoriedade de remuneração de vereadores de municípios que não atinjam determinado piso de arrecadação própria (artigo 29, inciso VI); e 2) induzir a extinção de municípios que por determinados número de anos consecutivos não apresentem significativa receitas próprias.
Apoiar a manutenção do calendário eleitoral precisa ser entendido igualmente como um gesto de renovação da esperança no regime político democrático, o qual, mesmo que paradoxalmente viva volátil (im)popularidade, será sempre o caminho principal para a solução dos diversos conflitos que permeiam a sociedade e os desafios que se impõe ao sistema político. Por fim, que toda e qualquer medida extraordinária sobre a presente questão não implique em quaisquer decisões definitivas do Congresso Nacional sobre matérias anexas.
Por Rui Tavares Maluf que é doutor em ciência política pela USP, mestre em ciência política pela Unicamp, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP) e autor de Prefeitos na Mira (2001) e Amadores, Passageiros e Profissionais (2010), ambos pela editora Biruta.
(Fonte: Veja)
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